Introdução a Nicholas Ray
“Sim, nossa geração será a do CinemaScope, a dos metteur en scène, enfim, dignos desse título: movimentando sobre a cena ilimitada do universo as criaturas de nosso espírito.”
Jacques Rivette (L’âge des metteur en scène)
Cineasta norte-americano canonizado pela Cahiers du Cinema na década de 50, Raymond Nicholas Kienzle (1911-1979), mais conhecido como Nicholas (ou “Nick”) Ray, teve sua filmografia tomada como objeto de adoração durante a insurgência da Nouvelle Vague, na França. Suas obras ressonaram fortemente entre os jovens críticos turcos por conta de seu carácter transgressor, ao ser, no seio da indústria, o cinema de autor. As produções filmográficas de Ray vinham daquela vertente iniciada por Orson Welles, que reposicionou o “metteur en scène” como o esteta na criação de um filme de cinema. Nicholas Ray era admirado pois possuía o exímio domínio da arte da mise em scène, ou seja, da essência do cinema, e, portanto, o mesmo se transmutava nele, como bem disse Godard: “Doravante, há o cinema, e o cinema é Nicholas Ray”.
Mas entender como esse diretor hollywoodiano chegou tão longe é uma história a parte. Podemos, talvez, retomar por seus estudos de arquitetura na faculdade, tendo sido mestrado pelo renomado arquiteto Frank Lloyd Wrigth, que traria a noção expressiva do espaço para Ray. Ou então seu período como ator e encenador em um teatro militante de esquerda, no qual desenvolveu seu gosto pela dramaturgia e compreendeu pelo vislumbre do palco, a força da atuação. Coisas que seriam passadas adiantes para seu cinema, quando em 1948 foi convidado pelo ator John Houseman a dirigir o longa They Live By The Night, uma espécie de film-noir que já evidenciava características formais que estariam presentes por toda a obra do cineasta: personagens marginalizados e a potencialização de sentimentos primários, como o amor (principalmente o amor), o ódio ou o desejo; explorando um olhar lírico, sobre um mundo previamente corrompido.
Essa postura de violação dos gêneros já consolidados na indústria cinematográfica, “contra a roteirocracia”, renderia ainda obras como o anti-western Johnny Guitar (1954) ou o caótico Bitter Victory (1957) ambos filmes que buscam se desvencilhar de convenções formais, com a “possibilidade de oferecer a própria textura da realidade sensível à encenação das ações e das paixões humanas. ” (Rivette, 1954). Por ser parte constituinte do declínio da Era de Ouro de Hollywood, Nicholas Ray impregnava em seus filmes uma estesia que apenas o cinema como imagem poderia causar, ou como ele dizia, por: “momentos de verdade”. Sua última esposa, Susan Ray, comentou que o cineasta se interessava por histórias de pessoas cheias de imperfeições. E olhava para essas pessoas com lirismo.
Por conta dessa crença na pureza do cinema em sua forma catártica, Nicholas Ray conferia à imagem cinematográfica um esplendor único. Foi por meio das filmagens, longe dos roteiros dos produtores, que o cineasta encontrava sua liberdade artística, conduzindo seus filmes de forma autoral. E é por meio deste texto introdutório que inicio a primeira edição de nossa revista, sobre um homem que reinventou o cinema ao antepor a imagem à palavra.
Por Vinicius J.